Acabei de ler o livro de Zita Seabra. Muitas pessoas, em especial aquelas que tiveram uma qualquer ligação ao PCP, tiveram a tentação de ler o livro de forma a encontrarem erros, fazendo uma leitura dos erros e não do essencial do livro.
O essencial do livro tem a ver com os momentos vividos pela autora desde a sua filiação no PCP, depois pela passagem à clandestinidade, pelo 25 de Abril e o respectivo PREC e por fim com a sua expulsão dos órgãos dirigentes do PCP e finalmente a sua saída do "Partido".
Começa-se por notar que a preparação política de Zita Seabra quando se filia no PCP é quase nula, como a própria reconhece. O seu conhecimento derivava das vulgatas do marxismo-leninismo e de outras leituras sugeridas pelos seus camaradas controleiros.
A passagem à clandestinidade e a uma vida de isolamento resulta de uma opção pessoal no quadro da luta antifascista que em todos os casos resultava de um grande desprendimento pessoal. Por isso, esta tomada de decisão implicava grande dedicação e coragem que convém não ignorar.
Depois de ter passado uma parte da sua juventude como companheira nas casas do "Partido", com tarefas subalternas é-lhe pedido que venha para Lisboa controlar a UEC, passando a gozar do estatuto de funcionária. Começou a sua ascensão na hierarquia do PCP.
A sua dedicação à causa levou-a a estar na primeira linha da inflexibilidade reconhecida aos bons funcionários, e ela era sem dúvida uma boa funcionária.
Com o 25 de Abril passou a ser a primeira da UEC sob o controle de Carlos Brito, servindo a causa da "revolução" com a mesma dedicação, levando a UEC a ser a tropa de choque do PCP e cumprindo ponto a ponto a estratégia do PCP para Portugal: nacionalizações; controle operário; tomada de poder nas universidades; tentativa de controlo do aparelho militar; reforma agrária; etc.
Nem as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, lhe serviram para perceber que o PCP era um partido antidemocrático, nem o cerco à constituinte lhe abriram os olhos, nem o fuzilamento de Zita Vales (amiga) às ordens do MPLA em Angola lhe serviram para questionar o "Partido". Nada vezes nada.
A camarada Zita era uma militante obediente, capaz de desempenhar as tarefas que lhe eram confiadas com o máximo de rigor e dedicação e por isso foi eleita para o Comité Central e depois como suplente da Comissão Política do Comité Central. Sempre a subir, sempre a subir.
Foi assim é um ajuste de contas entre Zita Seabra e o Comunismo, que percebeu tardiamente, que os crimes cometidos por este eram ainda maiores que os crimes cometidos pelos nazis alemães.
Deste ajuste de contas, resulta um livro em que se contam alguns episódios caricatos da vida de um partido que ainda mantém os tiques de um partido clandestino, fora da realidade da sociedade em que está inserido, um partido com poucos quadros, enfim um partido que continua a depender do centralismo democrático para poder sobreviver sem o direito à diferença e à opinião.
Foi assim, mas poderia ter sido diferente, se a autora desse conta do mundo que a rodeava e da forma como muitos já tinham visto o Comunismo, mas a autora concentrou-se na sua dedicação sem limites aos ideais do PCP e do movimento comunista internacional.